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            O Verde Concreto

 

   Durante os últimos dois anos, o fotógrafo Gil Vicente desenvolveu o projeto Verde Concreto que retrata a perspectiva da cidade do Recife através de suas árvores. Da observação à prática, ele colecionou uma série de situações, que exemplificam a diversidade e a destruição da malha verde da cidade.

     A partir de uma catalogação de árvores tombadas pela prefeitura, Gil visitou árvores que deveriam estar protegidas, e nos trouxe um panorama bastante desalentador.  Nos últimos anos, o Recife pôs abaixo milhares de espécimes, e relegou ao abandono outras tantas árvores.

    As situações aqui apresentadas, demonstram o desapego da cidade, de seus governantes e também de seus habitantes. Uma realidade que comprova a pouca importância dada às árvores, e prevê as conseqüências diretas desta “ desarborizarão ", na qualidade de vida da cidade.

   Munido de um pequeno aparato tecnológico, e num período de observação seletiva, selecionado por nós, Gil percorreu a cidade em busca de ocorrências e recorrências que pudessem configurar um padrão, e revela neste Verde Concreto uma relação conflituosa, onde prevalece o sacrifício das árvores em benefício do caos urbano, e uma paisagem transtornada pela peleja incessante, entre a humanidade e o conceito nefasto de progresso selvagem. 

    As fotografias de Gil obedecem uma lógica metodológica da fotografia construída. Com montagens de vários planos, Verde Concreto projeta uma nova realidade observada em dípticos, trípticos e múltiplos, ampliando a nossa visão em dimensões extras de distâncias, alturas, lados, alterando a percepção de nossos planos focais em busca de uma imagem original, complexa e complementar. Ao combinar fotos distintas em uma mesma imagem, comprovamos que é um hábito comum a falta de cuidado, e no desleixo no trato com as árvores.

    A exemplo do fotógrafo americano, Peter Beard, que escreveu em suas fotografias da região do Quênia Africano, reflexões, protestos, temores e esperanças como se fosse um diário de suas andanças, ele também se vale de legendas junto as imagens de Verde Concreto, demonstrando assim a possibilidade de complementar sua mensagem. Algumas vezes com ironia, em outras com delicadeza e em certos momentos se vale do assombro, das constatações plenas. Gil Vicente pontua suas imagens com informações diversas. Em alguns momentos faz uso da nomenclatura oficial, ou a terminologia popular das árvores. Usando a localização espacial, a descrição da espécie, suas características morfológicas, para tornar explícito a variedade de ocorrências de árvores distintas, e de suas origens, que nos transportam para paisagens também múltiplas, microambientes distintos dentro desta enorme e plural cidade.  

     Por fim, planejamos e foi executado os filmes em “timelapse”, processo onde um largo período de tempo é filmado e depois montado de forma a parecer um “tempo acelerado”. Gil Vicente usa este recurso não só como passagem rápida do tempo, mas também para nos transportar da periferia ao centro, em um rito de passagem cotidiano entre o rural e o urbano. Nos apresenta as muitas cidades que habitam o Recife. A paisagem da cidade vai se transformando, revelando seus contrastes, suas misérias e suas riquezas e belezas. A complexa teia que forma a ocupação da cidade do Recife.

    Fica nesta pesquisa uma reflexão sobre a cidade que move o Verde Concreto de Gil Vicente. A trajetória visual de uma urbe que não pára de se transformar, que cresce para os lados, para cima, empurrando e alterando nosso plano visual, deslocando o céu e o horizonte, transformando nossa perspectiva.

   Verde Concreto é um alerta e uma constatação que a cidade se transmuta em tipo próprio de "Timelapse”,  uma velocidade imperceptível aos olhos dos que habitam a cidade. Quando nos damos conta, a cidade já é outra, e Verde Concreto é um relato deste tempo ligeiro na mutante cidade do Recife.

 

 

Fred Jordão / Orientador do Projeto

Recife, Março de 2017.  

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